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Update Macro: Abril

5/6/2025

O mês de abril certamente foi um dos mais movimentados da história recente dos mercados financeiros. Encerramos o período com oito pregões consecutivos de alta no S&P 500, uma das melhores sequências positivas desde 1995. Destacamos a atual recuperação de 14% no S&P 500 no último um mês, o dobro da média dos padrões estatísticos observados em recuperações históricas da bolsa após quedas abruptas de mais de 10% em dois dias, como a registrada no início de abril após o anúncio do Liberation Day.

Também destacamos o desempenho negativo do dólar versus moedas de países desenvolvidos. O Dollar Index (DXY), que mede o valor da moeda americana frente a uma cesta de moedas (principalmente euro,iene, franco suíço e libra esterlina), recuou 4,55% no mês, sua segunda maior queda mensal nos últimos 15 anos.

Abril também se destacou pela volatilidade, que atingiu os maiores níveis desde a pandemia de 2020. E, como se não bastasse, vimos uma das piores leituras de confiança do consumidor dos últimos quatorze anos, um reflexo claro da tensão entre mercados, economia real e política monetária.

Diante desse cenário repleto de incertezas, resumir todos os acontecimentos em um único texto se torna uma tarefa desafiadora. Por isso, optamos por dividir esta atualização mensal em duas partes, a primeira traz uma espécie de narrativa (storytelling) sobre os principais eventos do mês. A segunda busca explorar as implicações desses eventos no atual mar de incertezas que permeia os mercados, discutind fragilidades estruturais e convergência de expectativas adiante.

Semanas que Representam Décadas

Abril começou como um daqueles meses que os mercados demoram a digerir, o anúncio de tarifas chamado de “LiberationDay”, veio em um tom muito acima do esperado pelo mercado desde a eleição de Trump, causando um aumento de volatilidade e mudança de outlook histórico. O evento refletiu o tipo de período em que os modelos tradicionais são colocados à prova e os consensos dos participantes do mercado são forçados a rapidamente se atualizarem.

Estimativas iniciais observadas pelas colunas de Research, na ilustração acima, imagem de relatório da Morgan Stanley de 8 de abril (US Economics)

Logo na primeira semana, os investidores presenciaram um choque: o S&P 500 acumulou uma queda superior a 10% em apenas dois dias (7 e 8 de abril). Uma marca historicamente rara, presente em apenas cinco ocasiões ao longo de quase um século: o crash de 1929, o Black Monday de 1987, a crise do subprime em 2008, o colapso da pandemia de 2020 e, agora, o episódio de anúncio de tarifas de 2025.

Levantamento interno sobre as maiores quedas da história do S&P 500 em rápidos períodos.

A segunda-feira (7) começou sob pressão vinda do outro lado do globo: circuit-breakers em mercados asiáticos e relatos de disfunções nas principais bolsas do continente. A sessão nos EUA foi marcada por volume recorde de negociação, o maior em 18 anos, e fortes sinais de aversão ao risco surgiram em todas as classes de ativos. O Índice S&P500 chegou a tocar no nível de 4,850 pontos, voltando ao mesmo patamar de janeiro de 2024 durante o pregão e caindo mais de 20% frente o topo do início do ano. O VIX, indicador de volatilidade, chegou a tocar nos 60 pontos, similar ao período de março de 2020, um dos maiores níveis da história.

A quarta-feira (9) trouxe mais uma reviravolta inesperada. Pela manhã, os mercados pareciam prontos para mais um episódio de estresse: os Treasuries com vencimentos mais longos, os quais inicialmente se apreciaram, respeitando padrões de comportamento históricos, começaram então a sofrer com vendas acentuadas. Os rumores iniciais foram de margin calls em basis trades realizados por hedge funds, uma espécie de trade onde compra-se um título do tesouro no mercado aberto, e vende-se o derivativo futuro de mesma maturidade, ganhando um pequeno spread.

Supostamente, de acordo com rumores de mercado, o tamanho do volume nocional deste trade em aberto pelos participantes poderia superar US$ 1 trilhão, e a volatilidade do Liberation Day teria sido o grande vilão por trás das chamadas de margem. O temor era palpável: participantes mais sofisticados chamaram a atenção para os swaps spread sem contratos SOFR (overnight americano), mostrando pontos de estresse na relação entre a demanda e a oferta de contratos pré-fixados e pós-fixados, sinalizando uma disfunção severa nos mecanismos de financiamento de colateral que fazem parte de uma das áreas mais importantes do mercado financeiro institucional.

No meio desse ambiente técnico e tenso, Donald Trump anunciou uma trégua tarifária de 90 dias - com exceção a China. A reação foi imediata e intensa: o Nasdaq disparou mais de 10%, e o S&P 500 teve seu melhor desempenho diário desde 2008, com alta de 9,5%, um respiro que poucos tinham antecipado. A volatilidade diminuiu, os estresses nos títulos do tesouro de longa duração não, e para piorar, começaram a liquidar dólar junto com os títulos, algo que foge completamente aos padrões normais do mercado.

A narrativa técnica continuava se desenrolando nos bastidores. Além da hipótese dos basis trades causando liquidações de tesouro americano em massa, começaram a circular boatos que o movimento nos Treasuries estaria também sendo alimentado por uma liquidação estratégica por parte de parceiros comerciais dos EUA, possivelmente como resposta geopolítica ao ambiente hostil e como ferramenta de alavancagem para negociação com o governo americano dentro do prazo de 90 dias. Obviamente que a China estaria incluída no grupo de países possivelmente liquidando colateral em dólar, e vendendo dólar, este tipo de episódio já foi especulado (e comprovado) algumas vezes nos últimos três anos.

Em paralelo a todo o drama na renda fixa, na bolsa e no dólar, o ouro agia como se nada mais importasse, o ativo que tradicionalmente responde à tensão monetária e geopolítica atingiu máximas importantes, chegando a valorizar mais de 30% desde o início do ano.

Observamos que o índice S&P500/ouro alcançava níveis técnicos que, estatisticamente, costumam sinalizar reversões estruturais, em torno de 1.5x, principalmente quando o movimento é casado com maior volatilidade no ouro (medido através do indicador GVZ, Gold Volatility Index). O movimento sugeria que ou o ouro estava ficando relativamente caro sobre o S&P 500, ou que o S&P 500, marcado em preço de ouro, estaria atrativo para compras, a alta volatilidade costuma reforçar o timing da tese, como observado em situações similares no passado.

Trading View: linha azul: SPX/GC1! , em ponto de suporte; linha rosa: GVZ, gold volatility; picos de vol no ouro com sobrevenda no ratio SPX/GC1!

Levantamento feito pelo economista americano Jim Bianco no dia 20 de Abril, comparando o juros do tesouro Americano de 10 anos em azul, com o valor do Dólar Index em laranja, evidenciando quebra de correlação.

Muitos analistas, inclusive dentro da mídia tradicional, se apressaram para concluir que a queda do dólar seria uma espécie de indício de “fim da hegemonia americana”. Quedas no índice do dólar são completamente normais, o ativo é tão cíclico quanto os demais, e observamosque dentro de um mundo endividado e colateralizado, principalmente em dólar, esse tipo de raciocínio simplifica um episódio que é estruturalmente muito mais complexo. No mundo atual, oportunidades de se buscar audiência rápida na mídia criando ansiedade nas pessoas e simplificando temas muito mais difíceis de serem analisados, infelizmente se tornou uma espécie de commodity.

O DXY é uma cesta majoritariamente composta por moedas de países desenvolvidos, a queda do dólar frente a essas moedas, e não frente a emergentes, por exemplo, sugere uma reorganização de fluxos entre grandes blocos econômicos, possivelmente impulsionada por ou alavancagem pontual na Europa ou no Japão, ou falta de criação de colateral e liquidez nas mesmas jurisdições. Consideramos que houve uma movimentação organizada e localizada em alguns mercados, mas não observamos evidências para acreditar que de fato algo estrutural ou permanente foi desenhado nem que houve falta de liquidez severa, pelo menos por enquanto, evidenciado pela movimentação de preço do bitcoin, ativo que consideramos parcialmente como uma proxy de liquidez global. O que chamou a nossa atenção não foi a queda do DXY especificamente, e sim a quebra de correlação com os títulos longos que faz parte de importantes premissas em modelos macro tradicionais.

Reporte Semanal da Morgan Stanley GIC de 23 de Abril, notando a mesma quebra de correlação de pares entre o ETF TLT de tesouro americano longo, S&P 500, e DXY.

Diante de uma deterioração tão acelerada na parte longa da curva de juros americana e na confiança do mercado de renda fixa em geral, surgiu nos bastidores um tema que chamou bastante a nossa atenção, a discussão de forma mais objetiva sobre a possibilidade de liberarem temporariamente o SLR (Supplementary Leverage Ratio) aos principais bancos americanos para a compra exclusiva de Treasuries, uma métrica regulatória que atualmente limita o quanto os bancos podem alavancar sua exposição, mesmo a ativos considerados de baixíssimo risco, como os próprios Treasuries. Se voltarem a permitir que os bancos utilizem parte de seus balanços para absorver essa volatilidade sem comprometer capital regulatório, como foi feito em 2020, liberar o SLR poderia funcionar como válvula de estabilização doméstica no mercado de renda fixa e demonstraria que o movimento coordenado oferecido durante o mês de abril por outros países, poderia não funcionar adiante.

Coincidentemente, esta especulaçãodo SLR marcou o fim da volatilidade nas taxas longas, ao menos por enquanto, dado que os grandes vencimentos de dívida americana não entraram no radar. Até agora nada foi feito para mudar a regulação da SLR, mas, não descartamos que poderão surgir problemas de liquidez no segundo semestre quando vencimentos acima de oito trilhões de dólares de dívida americana começarem a ocorrer, isso sim poderá apresentar sinais de crise de liquidez, e se esses sinais surgirem, a crise não será exclusividade do mercado americano, os outros mercados apresentarão fragilidades muito maiores na nossa percepção de como funciona o sistema financeiro global. Oportunidades interessantes na renda fixa poderão se apresentar nessa janela.

Não foi por acaso que no meio deste ambiente, Scott Bessent, atual Presidente do Departamento do Tesouro Americano, o qual possui vasta experiência no mercado financeiro, ganhou protagonismo em Washington, e sua presença foi associada a uma mudança de tom na política econômica dos EUA. Nos dias seguintes ao anuncio de trégua para todos, menos para a China, Trump recuou nas ameaças tarifárias e passou a adotar uma retórica mais conciliatória. O mercado percebeu esse gesto e iniciou uma das sequências positivas mais consistentes desde 1995, com dias consecutivos de alta no S&P 500 nas últimas semanas do mês. O mercado acionário nos últimos dez anos aparenta ser dominado muito mais por fluxos de compra e venda de ETFs e opções, e não por fundamentos.

Concluímos que o ambiente deu sinais de normalização junto a bolsa, migrando o foco do final do mês para a temporada de resultados das grandes empresas. Observamos também no final do mês o petróleo com quedas expressivas, aliviando e confirmando queda em pelo menos parte das pressões inflacionárias de curto-prazo.

A grande ironia do mês, na nossa opinião, foi a suposta constatação de que a trégua tarifária não foi motivada por uma queda acentuada nas ações, mas sim por disfunções no mercado de Treasuries, o verdadeiro calcanhar de Aquiles da atual administração. Seguindo o que temos comentado ao longo dos últimos meses, as discussões comerciais atuais e o custo de crédito para o tesouro americano são centrais para os acordos.

Conclusão

Se há algo que abril deixou claro, é que temos hoje mais perguntas do que respostas. Por mais que os preços tenham se estabilizado nas últimas semanas, o pano de fundo permanece extremamente incerto. Fica a pergunta: em um mundo com tamanho grau de volatilidade, reconfiguração geopolítica e assimetria informacional, até quando os fluxos conseguirão ignorar os fundamentos? Será que não estamos, justamente agora, nos passos embrionários de uma nova ordem global?

Os sinais estão por toda parte. Os Estados Unidos, de maneira implícita ou explícita, parecem estar testando quais países estão dispostos a cooperar com os termos de uma nova arquitetura comercial e militar. Aqueles que demonstrarem capacidade institucional, alinhamento estratégico e disposição em operar sob as premissas americanas — seja no Pacífico, seja no Atlântico — terão, possivelmente, acesso privilegiado a cadeias produtivas, financiamento e proteção.

Nesse cenário, seguimos com a mesma postura que tem nos guiado até aqui: cautela, foco em assimetrias claras e avaliação contínua daquilo que é ruído e daquilo que é regime. Não se trata de prever o futuro com precisão, mas de entender que as dinâmicas em curso exigem mais do que modelos lineares: exigem pensamento crítico, humildade e adaptação constante. Oportunidades não deixarão de surgir nestes momentos.

Fragilidades Estruturais e Convergência de Expectativas

Apesar da sequência de recuperação nos mercados de ações ao longo de abril, alguns elementos estruturais seguem emitindo sinais preocupantes — e que, embora tenham escapado do foco imediatoda mídia, merecem atenção redobrada dos investidores.

O primeiro deles é a precária composição da atividade econômica nos Estados Unidos. Como destacado em relatórios recentes, boa parte da resiliência nos dados agregados tem vindo de três pilares temporários: o crescimento de gastos públicos, o consumo de serviços (principalmente com poupança excedente acumulada) e os investimentos corporativos em infraestrutura para inteligência artificial.

Todos os três, no entanto, começaram a desacelerar em abril. Sem esses suportes, fica evidente que vastos setores da economia privada — como habitação, manufatura, transportes e consumo de bens duráveis — já estão em recessão há pelo menos dois anos, algo que temos mapeado no nosso framework macro continuamente.

Morgan Stanley Business Conditions Index: deterioração no ambiente de negócios segue volátil e volta para padrões negativos em abril.

A segunda fragilidade é o ponto técnico relacionado às revisões de lucros esperados. Embora o consenso já tenha drasticamente reduzido o crescimento de 15% para apenas 6% no lucro por ação (EPS) do S&P 500, em 2025 (chegando a US$ 257 por ação), já existem casas de pesquisa com projeções alternativas apontando para valores inferiores. E esse detalhe importa: a faixa de valuation entre 18x e 20x que o mercado tem praticado no índice de preço do S&P 500, dividido por lucro futuro se torna excessivamente apertada se os lucros decepcionarem mesmo que marginalmente. A volatilidade que vimos não deve ser lida apenas como reação às tarifas, mas como sinal de um mercado tentando reprecificar risco de decepção de crescimento de lucros em tempo real.

Fechamento de Abril, novamente a queda de lucro por ação trimestral do S&P é parcialmente recompensada com aumentos para o ano que vem, escondendo a continuidade de fragilidades.

O PIB do primeiro trimestre surpreendeu negativamente, com uma variação de -0,3%, contrariando a percepção de resiliência da economia americana, não por causa do resultado em si, mas devido à queda no ritmo de crescimento do consumo doméstico, voltando a níveis do início de 2023. A principal explicação técnica para o valor negativo foi o salto de 41% nas importações, provavelmente puxado por antecipações ligadas à guerra comercial. Esse efeito distorceu o cálculo do PIB, já que importações são subtraídas da atividade doméstica. Ao mesmo tempo, cortes de gastos do governo ajudaram a diminuir o crescimento do PIB. Consideramos que o dado de consumo acende o alerta para uma desaceleração mais ampla caso continue nesta tendência.

O risco de recessão permanece material, ainda que difuso nos dados de curto prazo. A estimativa média de probabilidade do consenso da indústria aumentou materialmente, próxima de 40%. A diferença agora está no tempo e na forma: trata-se menos de um colapso abrupto e mais de uma deterioração gradual, e diferente de outras ocasiões, o Fed não aparenta estar tentando antecipar este risco até que o desemprego possivelmente aumente. É uma recessão que se desenha “por exclusão”: o crescimento não desapareceu, mas está cada vez mais restrito a nichos específicos da economia. O risco real não é uma quebra súbita, mas um esgotamento progressivo da tração macro, difícil de identificar em tempo real, mas altamente corrosivo para projeções de lucros, crédito e emprego.

Por fim, existe um elemento estrutural e ainda pouco precificado: o risco de estagflação. A combinação entre juros mais altos, necessida de rolagem de dívida a taxas superiores, somada à fragilidade da confiança do consumidor causada majoritariamente por tarifas, tudo isso pode colocar pressão sobre o crédito e deteriorar os balanços empresariais por múltiplas vias: custo de rolagem, aperto no consumo e perda de margem. A consequência é que, mesmo sem uma “recessão formal”, o ambiente macro pode ser restritivo por tempo suficiente para comprometer as expectativas de lucros futuros.

Fim de Abril, relatórios trimestrais de empresas americanas começam a dar indícios de quedas nas margens operacionais, principalmente nas grandes empresas que têm carregado a bolsa. Dados do Morgan Stanley.

A erosão silenciosa da qualidade dos fundamentos, encoberta por eventos episódicos e intervenções políticas, talvez,seja o verdadeiro risco do segundo semestre de 2025.